ADUR Online #21: Crescimento para que, ou para quem? Desenvolvimento econômico e os dilemas ambientais do crescimento
11 de dezembro de 2020
Por Agnaldo dos Santos*
O Brasil vive desde 2015 uma crise econômica, com desdobramentos sociais e políticos, cuja marca maior é o baixo crescimento. A eclosão da pandemia do coronavírus agravou um quadro que já era preocupante, onde as taxas de crescimento do PIB giravam em torno de 1%, abaixo da previsão dos apoiadores do antigo governo Temer, que prometiam crescimento acima de 3% com as reformas da previdência e trabalhista. Agora, no quadro geral agravado pela pandemia, o crescimento deve ser negativo ou, na melhor das hipóteses, próximo de zero.
Então, se crises são caracterizadas por baixo crescimento econômico, o desejável é o alto crescimento econômico? A resposta não é tão simples. Ao longo do século XX, especialmente após a década de 1930, o Brasil foi um dos países que apresentaram as maiores taxas de crescimento do planeta, próximo de uma média de 10% ao ano, até a década de 1980. Foram, portanto, 50 anos de crescimento vigoroso, no qual a participação da indústria no PIB era expressiva, diversificando o tecido econômico e transformando um país agrário em outro, urbano. A despeito disso, nunca deixamos de ser um dos países com os maiores índices de desigualdade do mundo, como indicado por gigantes das ciências sociais como Celso Furtado e Francisco de Oliveira. Além disso, o crescimento desordenado das grandes cidades acarretou em poluição de importantes rios em áreas metropolitanas e grandes deslocamentos por transportes individual e coletivo nas grandes cidades, uma vez que os empregos ficam distantes das residências dos trabalhadores. Congestionamentos e poluição do ar foram suas consequências óbvias.
Portanto, temos agora um quadro ainda mais complexo do que o dos séculos passados: só o crescimento econômico, na esperança de um efeito trickle-down (“gotejamento”) para o restante da sociedade (que acarretaria em tese uma distribuição dos benefícios a todos), não é mais suficiente. Os efeitos adversos do desenvolvimento econômico ao meio ambiente não podem mais ser negligenciados. O modelo vigente, agora globalizado, não só levou a níveis de concentração de renda jamais vistos no passado, como também coloca em risco ecossistemas inteiros. E isso não é um problema apenas para plantas e animais silvestres: a fonte de insumos para o crescimento econômico e para o bem-estar humano pode sofrer mudanças que terminem por inviabilizar a civilização, tal qual a conhecemos.
O debate não é novo, na verdade. Desde os Oitocentos, autores pessimistas apontavam para a impossibilidade de conciliar bem-estar social e crescimento demográfico. O mais famoso deles, Thomas R. Malthus, defendia que era preciso deixar morrer sem auxílios públicos os mais fracos (pobres), para estabilizar a relação produtividade agrícola/população. Esta tese, muito criticada por outros economistas como David Ricardo e Karl Marx, provou-se infundada ao longo de duzentos anos, já que a quantidade de alimentos hoje no mundo é muito maior que as necessidades médias da população. Mas, ao contrário daquela época, onde ainda havia espaço para crescimento sobre espaços intocados, hoje temos uma situação em que a industrialização típica do período fordista-petrolífero dá sinais de ter batido no seu teto.
Na segunda metade do século passado emergiu uma nova abordagem econômica, chamada decrescimento. A tese geral é a de que os países mais ricos devem reduzir significativamente seus níveis de crescimento. E após os mais pobres resolverem seus problemas materiais básicos, também deveriam reduzir o crescimento contínuo. Seu maior defensor, Nicholas Georgescu, utilizava o princípio da entropia em física para argumentar que a atividade humana gera mais lixo carbônico (carbojunk) do que a natureza oferece de fontes primárias, uma vez que os recursos são finitos. Muitos economistas questionam a tese, acusando-a de neomalthusiana, mas os debates nos últimos 50 anos levaram a importantes avanços nas pesquisas, que passam desde a busca por crescimento sustentável (uma espécie de Green New Deal) até vertentes de ecossocialismo, mais libertárias que as experiências que fracassaram no final do século passado.
O que podemos constatar é que qualquer alternativa ao crescimento econômico clássico só terá sucesso se conseguir conciliar sustentabilidade ambiental com forte redução das desigualdades sociais. Lembrando de novo o mestre Celso Furtado, desenvolvimento deve significar bem-estar geral, não mera acumulação econômica.
*Agnaldo dos Santos é sociólogo e professor de Economia Política da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus Marília
ADUR ONLINE é um espaço da base do Sindicato. As opiniões expressas no texto não necessariamente representam a opinião da Diretoria da ADUR-RJ.
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